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Detroit: Become Human

Detroit: Become Human - Entrevista Completa

Conversámos sobre a polémica do Paris Games Week, o conceito da estória, o que é ser humano, e a evolução da inteligência artificial.

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Adam Williams, guionista principal de Detroit: Become Human, visitou o Lisboa Games Week para apresentar o novo jogo da Quantic Dream. Sob a tutela de David Cage, o estúdio está a construir uma nova experiência narrativa, jogável através da perspetiva de três protagonistas. Como em Heavy Rain e Beyond: Two Souls, as ações e as decisões dos jogadores terão um impacto tremendo no desenrolar da estória, que terão de lidar com vários temas adultos e até incómodos.

Durante o Paris Games Week a Sony mostrou uma dessas sequências incómodas, focada em abuso familiar. Nem todos receberam bem o tema, e surgiram algumas críticas sobre a forma como a Quantic Dream abordou esta situação. Aproveitámos para perguntar a Adam Williams se essas críticas eram justas, e se teriam impacto no restante desenvolvimento do jogo.

"A nossa ambição com Detroit foi criar uma estória com significado e relevância. Embora seja no futuro, quisemos aproveitar os andróides para explorarmos problemas sociais que existem na realidade, e que são universais. Desigualdade social, e o impacto da tecnologia, foi algo que quisemos explorar. Uma personagem como Tod [o pai da menina na demo do Paris Games Week] está furioso porque foi substituído no seu emprego por uma máquina, e isso é algo que tem acontecido com várias profissões ao longo dos anos, não com andróides, mas com robótica."

"Quando começamos a trabalhar em Detroit: Become Human, não decidimos criar uma sequência como a da demo do Paris Games Week, mas a estória levou-nos até aí de forma natural. Estamos a contar algo com profundidade, e isso por vezes leva-nos a alguns lugares muito sombrios. Se um filme ou um livro não deixaria de explorar estes temas, então não vemos qualquer motivo para que um jogo não o possa fazer também. Acreditamos que os jogos são um meio que deve explorar temas adultos, desde que o seja feito com respeito e responsabilidade, e isso foi uma prioridade nossa desde o princípio. Levamos muito a sério a nossa responsabilidade enquanto criadores, sobre o que devemos ou não mostrar. Nunca foi a nossa intenção promover estes temas, ou apresentá-los de forma gratuita."

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"Posso ainda garantir que continuamos a manter-nos fiéis à nossa visão, e à visão de David Cage, a visão de contar uma estória honesta com impacto real. Não vamos fugir de onde esta estória nos levar, desde que seja consistente como os nossos valores enquanto criadores. Nunca contaríamos uma estória que glorificasse qualquer tipo de violência ou problema social, mas na nossa opinião o jogo teria menos impacto se nunca acontecesse algo que fosse desconfortável, sem consequências sombrias ou temas sérios. Não seria um olhar honesto à nossa sociedade."

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Quase todos os jogos da Quantic Dream são experiências narrativas que o jogador pode influenciar. Detroit: Become Humam segue essa fórmula, mas com grandes diferenças.

"Se pegarem nos princípios de Beyond: Two Souls e Heavy Rain, em termos de jogabilidade intuitiva e narrativa envolvente, e os compararem com Detroit, vão perceber que se trata de um salto quântico nesses dois campos. Detroit: Become Human é consideravelmente mais amplo e influenciável pelo jogador do que Beyond ou Heavy Rain, e a jogabilidade é consideravelmente mais profunda. Cada uma das três personagens jogáveis tem habilidades especiais, e essas habilidades oferecem diferentes possibilidades de jogabilidade."

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"Connor, por exemplo, é um detetive andróide que caça andróides mal-comportados. Connor tem a capacidade de reconstruir uma situação analisando a informação disponível, uma oportunidade de jogabilidade que não terão com as outras personagens. Em termos de personalidade também são muito diferentes, e Connor é muito mais focado e objetivo que os outros dois protagonistas. Outra diferença entre Detroit e os jogos anteriores, é que Detroit concentra-se em temas sociais e na sociedade em geral, enquanto que Heavy Rain e Beyond: Two Souls contavam estórias mais pessoais. As decisões e ações que tomarem em Detroit não vão apenas afetar as personagens mais próximas, mas em parte até a estória do mundo em que o jogo decorre. Embora a cidade de Detroit seja uma personagem em si, o que vão fazer no jogo vai afetar todo o mundo. Não só é a estória de Detroit: Become Human maior, abrange um público-alvo muito superior."

Ao contrário dos jogos anteriores, a localização em si - a cidade de Detroit - parece ter também grande importância para a estória. Perguntámos a Adam Williams o que levou à escolha dessa cidade norte-americana.

"Escolhemos Detroit porque já foi a capital da indústria automóvel, com a Ford Motors. Durante a primeira revolução industrial na América, Detroit tornou-se uma das principais cidades no país, porque a maioria dos carros eram construídos aí. Quando a construção de carros se alastrou para outras cidades e países, muitas empresas da indústria automóvel abandonaram Detroit, e a cidade encolheu e sofreu com isso. Enormes áreas onde estavam estas fábricas estão agora vazias, e por isso, na nossa visão, a Cyber-Life, que é a companhia que fabrica os andróides, escolheu Detroit para assentar. E tal como aconteceu com os automóveis no passado, no nosso universo Detroit voltou a tornar-se no pilar da segunda revolução industrial dos Estados Unidos da América e do mundo."

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Markus, interpretado por Jesse Williams / Connor, interpretado por Bryan Dechart / Kara, interpretada por Valorie Curry

A inteligência artificial tem dado saltos importantes nos últimos anos, e até recentemente tivemos a presença de uma das IA mais avançadas do mundo, Sophia, no Web Summit. Embora avançadas, estas inteligências artificiais estão ainda muito longe dos andróides de Detroit: Become Human. Quando será que vamos chegar a esse nível?

"Na realidade não temos uma mensagem para dar ao jogador, em termos de quando os andróides vão aparecer desta forma, ou quando se tornarão perigosos. O nosso objetivo passa por apresentar questões e dilemas interessantes ao jogador, e permitir que ele próprio faça sentido de tudo isso. Na minha opinião pessoal, penso que estas tecnologias vão parecer ficção científica, até que de repente, não o sejam. Penso que seremos apanhados de surpresa, e a questão mais pertinente será antes - conseguiremos controlá-la? O livro The Singularity Is Near foi obviamente uma inspiração, e achamos muito interessantes as implicações do que a inteligência artificial pode representar. Existem muitas opiniões, mas parece haver um consenso: quando a verdadeira inteligência artificial chegar, será uma transformação ainda mais radical para a humanidade do que a internet ou o automóvel."

"Uma das questões que penso que irá levantar, e que colocamos no jogo, é: o que significa ser humano? Ser humano é algo exclusivamente orgânico? Um animal? Se olharem para a Kara, no nosso trailer mais recente com o pai e a filha, ela é uma personagem mais humana que o pai, apesar de ser uma máquina. Penso que a humanidade vai além do elemento físico, penso que tem de estar relacionado com o intelecto, o espírito, a moralidade... e isso é uma das questões que pretendemos desenvolver com o jogo, perceber o que o jogador pensa que ser humano realmente é."

"Na nossa opinião é mais importante colocarmos estas questões em cima da mesa, não necessariamente partilharmos as nossas respostas. Como se transportássemos o jogador para a nossa sala de guionistas, para lhe colocar esta questão, este dilema, e perceber qual é a sua opinião e reposta. É por isso que Detroit: Become Human é uma experiência tão moldável, e é por isso que dois jogadores dificilmente terão mesma experiência exata de jogo. A sua experiência será de certa forma um reflexo do que pensam, do que sentem, em relação a este e outros tópicos. Será que têm um sentimento de paranóia em relação a estes andróides, que preferem mantê-los sob controlo? Ou será que concordam com os seus desejos de liberdade? No jogo permitimos esse tipo de liberdade, de possibilidades narrativas."

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Quando um jogo tem tantas ramificações, tantas possibilidades e caminhos, por vezes surgem problemas narrativos, incoerências na estória. Algo conhecido como "buracos no enredo". Perguntámos a Adam Williams como tentam combater esse terrível inimigo dos guionistas

"Com muito trabalho, muito tempo, e muitos testes, mas para ser honesto, não acho que tapar buracos narrativos seja o processo mais difícil de escrever um jogo destes. O maior desafio, na minha opinião, é não só garantir que existam muitas possibilidades, mas que todas sejam satisfatórias para o jogador. Isso é muito difícil de conseguir, mas trabalhámos imenso para garantir que todas as possibilidades tenham uma conclusão satisfatória, e uma narrativa empolgante capaz de agarrar o jogador, de o fazer sentir algo. Esse foi o verdadeiro desafio de fazer este jogo, o de garantir que temos realmente escolhas com consequências que importam, e não cair na 'batota' de criar a ilusão de escolhas, sem as oferecer de facto."

Para terminar, colocámos a pergunta mais difícil que podíamos colocar a Adam Williams. Das três personagens jogáveis, qual é a sua favorita?

"Isso é quase como ter de escolher um filho favorito... mas penso que a Kara tem algo de especial que os outros não têm. Tudo começou com a Kara [no vídeo que podem ver em baixo], e penso que a estória dela é a que engloba melhor esta questão sobre o que é ser humano, sobre o que é amar, o que para mim é a característica que melhor define o ser humano."

Detroit: Become Human será lançado em 2018, em exclusivo para PlayStation 4.

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Adam WIlliams a apresentar Detroit: Become Human em Lisboa.
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